Tucupi, o sangue que corre nas minhas veias!

Tucupi! Ah, o tucupi…

Com seu sabor perfumado, ácido, mas doce e salgado também. Familiar, mas ao mesmo tempo nunca antes sentido, que faz a boca salivar e o estômago festejar: a mais pura expressão do povo amazônico, que com sua sabedoria, paciência e curiosidade extraiu da raiz da mandioca venenosa o seu ouro líquido, que dialoga com camarões, aves, carnes e qualquer animal que ouse aparecer na mesa; que conforta a fome e acalenta os corações daqueles que se aventuram pelas terras longínquas da Amazônia, nos almoços chuvosos, nas tardes quentes e ensolaradas e até nas madrugadas embriagadas.

Só na Amazônia e apenas lá, o tucupi fez morada e se tornou um símbolo de uma gastronomia original, preservada e autêntica, que se permitiu dialogar com portugueses e negros, sem perder a essência dos primeiros habitantes dessa terra chamada Brasil.

De uns tempos pra cá, ele passou a frequentar as panelas de outras regiões, através dos emblemáticos isopores dos amazônidas comuns, que tem na culinária uma extensão de suas casas; mas também de cozinheiros e chefs de cozinha que os revelam ao seu público como uma grande novidade, para um Brasil que não conhece a si mesmo. O público, não acostumado com aquela explosão de sabor, o toma com parcimônia, em pequeníssimas porções que serviriam apenas para abrir o apetite dos nortistas apaixonados.

Mas essa é a graça da gastronomia: vai além de fronteiras, é uma cultura viva que adapta sabores e formas de comer de uma região para outras, que dão sua própria personalidade ao ingrediente que veio de outro lugar. Essa é a graça da vida, que proporciona trocas e experiências diversas que ora se sobrepõem, ora se deixam sobrepor e assim fazem o mundo se cruzar e se complementar.

Mas, afinal, o que é o Tucupi? Passada a minha reflexão super poética, vamos entender o que é o tucupi de uma maneira mais técnica e descritiva.

Após inúmeros anos acompanhando cozinheiros, produtores e consumidores, construí uma definição própria, por não ter encontrado na literatura disponível nenhuma definição completa. Assim o autêntico tucupi amazônico é o caldo fermentado extraído da raiz da mandioca amarela brava, temperado com ervas culturalmente amazônicas, como chicória do Pará, alfavaca e cipó d’álho, além de alho e sal.

E por que há a necessidade de uma descrição tão completa? Por vários motivos. Mas, o principal deles, é o fato de precisarmos realmente entender o que é o tucupi, para que haja a preservação do produto original. Sem ela, podemos passar a elaborar diversos produtos distintos que levam o seu nome, mas não o seu sabor.

Extrair um líquido da mandioca brava amarela e não fermentá-lo, por no mínimo 6 horas, fará com que a sua principal característica, o sabor umami, simplesmente não exista; tirar um líquido de uma mandioca branca, fará com que qualquer comensal não o reconheça por sua cor, o que faz com que haja pessoas que ponham corantes que, mesmo sendo naturais, acabam enganando o consumidor em relação à origem do produto.

E ainda, temperar o tucupi com outros condimentos que não sejam aqueles que a população de origem reconhece, é criar novos produtos, que podem até existir, mas não deveriam ser chamados de Tucupi.

E, afinal, como o tucupi é feito? Depois de colhida, a mandioca brava amarela deve ser lavada, descascada, moída e prensada. Após a prensagem, o líquido extraído, deve ser recolhido e deixado para decantar por pelo menos 6 horas, até que a “goma de tapioca” se concentre toda no fundo do recipiente, se separando da manipuera (líquido amarelo que fica na parte de cima da decantação).

Depois dessa separação bem estabelecida, a manipuera é separada da goma e posta à fermentação: é nessa etapa que se define a acidez do tucupi. Quanto mais tempo fermentando, mas ácido ele fica. Os mais tradicionais, o deixam fermentando ao sol, por pelo menos 2 dias.

Comercialmente, a média é de 8 a 12 horas. Após a fermentação, o tucupi é posto para cozinhar, devendo ficar em fervura por pelo menos 40 minutos, pois é neste momento que todo o ácido cianídrico que ele contém irá evaporar e a partir daí ele ficará próprio para o consumo humano. Após 20 minutos de fervura, acrescenta-se os temperos; ferve-se por mais 10 minutos, corrige-se o sal, e pronto! O tucupi está perfeito para se juntar a diversas proteínas, ou para temperar qualquer prato, podendo ser usado como caldo vegetal em inúmeras preparações culinárias ou ainda como toque final de pratos refinados, após sua redução.

Com a boca salivando, por aqui, já vou tomar o meu tucupi! Tá esperando o que pra ir tomar o seu?

Escrito por Joanna Martins, Manioca e Instituto Paulo Martins.

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